Terça feira, 29
de outubro de 2019
Reta final de A
Dona do Pedaço vai mostrar a intolerância associada a quem é contra a
diversidade sexual por questão religiosa ou ideológica.
Não é raro o
bandidão da novela ganhar a redenção nos capítulos finais. Geralmente acontece
por exame de consciência ou vitimado por uma tragédia. Em A Dona do Pedaço, os
vilões vão se redimir pela fé.
Josiane (Agatha
Moreira) e Régis (Reynaldo Gianecchini) se tornarão evangélicos. Ela, atrás das
grades; ele, influenciado justamente por sua ex-cúmplice no golpe contra Maria
da Paz (Juliana Paes).
O empresário
assumirá postura conservadora. Vai se recusar a comparecer ao casamento de Agno
(Malvino Salvador) e Leandro (Guilherme Leicam) por não aprovar a união gay, de
acordo com sua nova religiosidade. “Régis virou radical”, dirá Lyris (Deborah
Evelyn), irmã do ex-bon-vivant.
O ambíguo e
apagado Régis se perdeu no meio da trama. Começou como malandro, flertou com a
vilania, assumiu o papel de bandido arrependido e agora virou o grande
injustiçado do folhetim.
Sem força
dramática, o personagem não convence. Esse possível desfecho como religioso
radical acrescenta mais incoerência à personalidade dele.
No caso de
Josiane, se tornar crente deverá ser apenas mais uma estratégia para tentar
enganar as pessoas a fim de amenizar o julgamento público. O manjado recurso da
fé como instrumento de manipulação para conseguir benefício escuso.
Converter os
crápulas, em uma espécie de purificação do mal, parece ser uma crítica
sarcástica do autor Walcyr Carrasco contra o uso da religião – e da suposta
autoridade de quem a professa – para praticar a intolerância.
Para um vilão,
usar o apelo emocional da fé é uma artimanha recorrente para conseguir ser
perdoado. O noveleiro já viu isso acontecer em várias produções.
Em Salve Jorge
(2012-2013), a maquiavélica Wanda (Totia Meirelles) se tornou evangélica na
cadeia, após ser presa por um série de crimes hediondos.
O público
interpretou a mudança radical como ironia. A autora Gloria Perez foi duramente
criticada por protestantes que se sentiram ofendidos.
A crítica ao
radicalismo religioso não é recente na teledramaturgia.
Impossível
esquecer o pastor Hilário (Jorge Doria) de Tieta (1989-1990). Com estilo
histriônico como o dos telepastores, ele chegava na pacata Santana do Agreste
com a intenção de conquistar mais ‘ovelhas fiéis’ para seu rebanho de pagadores
de dízimo. Um deboche feito pelo autor Aguinaldo Silva.
Alguns anos
antes, o telespectador viu o conservadorismo religioso ser contestado por meio
do severo pregador cristão Sebastião (Sebastião Vasconcellos) em Selva de
Pedra. A segunda versão da novela, produzida em 1986, está sendo reprisada
atualmente no canal Viva.
Outra produção
da Globo com explícita crítica ao uso indevido da religião foi Decadência,
minissérie escrita por Dias Gomes em 1995.
Nela, Edson
Celulari viveu Mariel, um rapaz pobre e humilhado pelos patrões que se vinga ao
se tornar um pastor neopentecostal milionário e obcecado por poder.
Resta saber se,
no final de A Dona do Pedaço, a conversão de Régis e Josiane será confirmada
como ponto de virada dos personagens ou somente um artifício para amenizar a
merecida punição. Seja qual for a escolha do autor, a polêmica está lançada.
Terra
Foto: Vitor
Pollak/TV Globo/Divulgação
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